Páginas da Resistência pela Arte (IV)

 


Uma das canções mais entoadas na Academia Coimbrã na década de sessenta foi, sem sombra para dúvidas, “Trova do vento que Passa”.

Os protagonistas desta peça musical eram nomes bem-queridos de Coimbra, a saber, António Portugal (compositor), Manuela Alegre (autor do poema) e Adriano Correia de Oliveira (intérprete).

António Portugal era, à época, a par de Carlos Paredes, um dos nomes maiores da composição musical para a guitarra, instrumento de eleição da balada de Coimbra.

Manuel Alegre, aluno e poeta, fruto da sua oposição à ditadura e à guerra colonial fora mobilizado para Angola (no ano de 1963) onde a PIDE lhe movia uma perseguição implacável, levando-o a procurar exílio em Argel.

Adriano Correia de Oliveira aluno e ativista cultural na academia coimbrã era possuidor de uma das vozes mais emblemáticas da canção de intervenção, juntamente com a de Zeca Afonso.

Desde o momento que foi lançada (1963), “Trova do Vento que Passa” tornou-se um hino, entoado, muitas vezes pela noite dentro nas repúblicas (casas que albergavam alunos em Coimbra) e lares (casas que albergavam as alunas), num claro desafio à ordem estabelecida.

 

Aqui fica o poema a canção para ouvir.


Letra

Pergunto ao vento que passa
Notícias do meu país
E o vento cala a desgraça
O vento nada me diz.
O vento nada me diz.

La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la,
La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la.
La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la,
La-ra-lai-lai-lai-la, la-ra-lai-lai-lai-la.

Pergunto aos rios que levam
Tanto sonho à flor das águas
E os rios não me sossegam
Levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
Ai rios do meu país
Minha pátria à flor das águas
Para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
Pede notícias e diz
Ao trevo de quatro folhas
Que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
Por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
Quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
Direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
Vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
Ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
Nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
Dos rios que vão pró mar
Como quem ama a viagem
Mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(Minha pátria à flor das águas)
Vi minha pátria florir
(Verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
E fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
Nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
Só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à Beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
Se notícias vou pedindo
Nas mãos vazias do povo
Vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
Dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
E o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
Liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
Aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
Dentro da própria desgraça
Há sempre alguém que semeia
Canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
Em tempo de servidão
Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não.

 


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