Páginas da Resistência pela Arte (V)

 

Jose Mário Branco

Natália Correia

Jean Cocteau



Corria o ano de 1971, José Mário Branco lançava a canção “Queixa das almas jovens censuradas”, cuja letra foi bebida no poema de Natália Correia com a qual projeta um jogo entre as palavras e os traços de um desenho do francês Jean Cocteau (1889-1963).
Uma canção que correu pela juventude portuguesa da época como um foo raseiro em mato seco.

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Letra

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
 

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência
 
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
 
Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos connosco
quando estamos sós
 
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa história sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
 
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
 
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
 
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
 
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
 
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
 
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.

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